Hoje foi só mais um dia de inverno. Da varanda vê-se a chuva a cair no mar. O som das gotas a caírem na água invade o meu quarto e enche-o com uma nostalgia verdadeiramente contagiante.
Sinto-me como se fosse capaz de viajar no tempo, até à mais longínqua memória dos meus tempos de menina. Tempos esses que vivia feliz, sem preocupações, sem medos, com sonhos e muita esperança.
Ainda me lembro das tardes que passava a brincar no quintal de casa dos meus avós, da alegria com que vivia cada dia, com que acordava cada manhã e passava o dia a sorrir, a cantar, a brincar, sem pensar no “amanhã”. Lembro-me de como a liberdade tinha um gosto tão diferente tendo um contraste inigualável ao de hoje.
Agora que cresci, a liberdade não é só liberdade. A liberdade traz escolhas e essas mesmas escolhas trazem consequências. O medo constante de magoar, ser magoada ou errar é sistemático, como um ciclo vicioso.
Agora que cresci, os sonhos ficaram no passado, nos meus tempos de menina. A vida não permite que os sonhos ainda sejam realidade, nem mesmo na nossa cabeça, na minha cabeça. A capacidade de percepção e diferenciação do que é real e abstracto está impregnado na maneira como nos criam, como nos moldam nos limites impostos pela sociedade que nos envolve e estipula circuitos de raciocínios loucos.
Eu, eu cresci por mim. Criei os meus próprios caminhos, as minhas próprias visões do que é o mundo onde vivo e o meu mundo. O som das gotas da água arrepia-me. Lembra-me de amores e desamores, de lágrimas e sorrisos, de abraços e carinhos, que ao longo destes anos fui guardando dentro de mim, na minha caixinha de recordações, no meu coração.
O coração que sempre viveu de sonhos, de amor, de amizade e que tanto foi magoado, pisado e mal-tratado. Foi aqui, nesta casa perto do mar que me criei. Que me fiz mulher. Foi aqui que escrevi o meu destino e desde então o tenho feito o único objectivo da minha realidade. Da realidade onde vivo, embora não sendo a que deseje.
Foi nesta casa, em muitas noites como esta, em que, deitada na cama oiço o som do mar, da chuva, da violência do vento, da revolta do meu ser. Revolta por não poder voltar atrás, não poder mudar o passado, não poder emendar erros e não poder viver o que não vivi.
Hoje, poucos são os meus desejos, os meus objectivos. Poucos são os sonhos e a vontade de torná-los realidade, a minha realidade. Poucas são as manhãs que acordo com o primeiro raio de sol a iluminar tudo a minha volta, a dar-me força e luz para continuar um dia mais.
Nesta casa, neste meu refúgio, neste meu canto, só eu consigo sentir a nostalgia de viver agarrada a sonhos por concretizar, a remoer objectivos por alcançar, e o mais doloroso, a nostalgia de viver sem sonhos nem esperança. Viver no conformismo que toda a vida reneguei.
Antes de adormecer, ainda conto com o som da chuva a cair no mar como banda sonora. Ainda antes de adormecer irei desejar novamente, irei desejar poder voltar aos meus tempos de menina. Tempos esses que vivia feliz, sem preocupações, sem medos, com sonhos e muita esperança.
Sem medo de falhar, sem medo de magoar, sem medo de arriscar e principalmente, sem medo de ser feliz.